Vômitos, diarreias e coceiras incessantes se tornaram comuns na vida de milhares de palestinos na Faixa de Gaza.

Com a guerra devastando a região, muitos agora vivem cercados por enormes montanhas de lixo acumulado, que representam sérios riscos para a saúde pública e o meio ambiente.

Estima-se que mais de 330.400 toneladas de resíduos sólidos tenham se acumulado no território durante os mais de oito meses de conflito entre Israel e o Hamas, segundo a ONU e agências humanitárias especializadas em saneamento.

“Estamos testemunhando uma crise de gestão de resíduos em Gaza, que se agravou muito nos últimos meses”, afirmou em comunicado Sam Rose, diretor de planejamento da agência da ONU para refugiados palestinos, UNRWA.

Segundo uma reportagem da BBC, algumas das milhares de pessoas que fugiram da ofensiva militar de Israel em Rafah — cidade fronteiriça com o Egito, no sul do enclave, onde a população aumentou de 300 mil para 1,5 milhão desde outubro — foram forçadas a viver em áreas abertas que já haviam sido transformadas em aterros temporários de lixo.

— Procuramos em todos os lugares por um lugar adequado, mas somos 18 pessoas com nossos filhos e netos, e não conseguimos encontrar nenhum outro lugar onde pudéssemos ficar juntos — disse à BBC Ali Nasser, que recentemente se mudou de Rafah para o acampamento da Universidade de al-Aqsa.

 

‘Como uma morte lenta’

Antes da guerra, o enclave já enfrentava dificuldades severas devido ao bloqueio imposto por Israel e pelo Egito, que pressionava fortemente os serviços essenciais, incluindo a gestão de resíduos. As rígidas restrições de segurança de Israel sobre o que podia entrar no território resultaram na falta de caminhões de lixo e de equipamentos adequados para separar, reciclar e descartar o lixo doméstico corretamente.

Agora, a situação parece ter se deteriorado. Imagens de redes sociais, verificadas pela BBC Verify entre fevereiro e junho deste ano, revelaram um aumento significativo dos depósitos temporários de lixo na Faixa de Gaza, à medida que a população se deslocava em massa para diferentes regiões, como a Cidade de Gaza, Khan Younis e Rafah.

Além disso, uma análise de satélite destacou outro grave problema: metade das estações de tratamento de água e esgoto de Gaza foram danificadas ou destruídas desde o início da ação militar de Israel contra o Hamas. Sem recursos, autoridades locais sofrem com a escassez de pessoal, equipamentos, caminhões de lixo e combustível para operar.

— Nunca vivi perto de lixo antes. O cheiro é muito perturbador. Mantenho a porta da minha tenda aberta para poder respirar um pouco de ar, mas não há ar puro, só o cheiro de lixo — diz Asmahan al-Masri, uma mulher deslocada, originária de Beit Hanoun, no norte, cuja casa é agora um terreno baldio em Khan Younis.

De acordo com a reportagem da rede britânica, ela divide o espaço — uma tenda num acampamento rodeado por moscas e, às vezes, cobras — com outros 15 membros da família. O mau cheiro é constante.

— Eu choro como qualquer outra avó porque seus netos estão doentes e com sarna. Isto é como uma morte lenta. Não há dignidade — diz ela.

 

Fator-chave

A deplorável situação sanitária em Rafah e em outros locais da Faixa de Gaza já provocou um surto de Hepatite A, uma inflamação do fígado causada por um vírus que se espalha pelas fezes, embora geralmente não seja fatal.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou em janeiro que havia 24 casos confirmados e “vários milhares de pessoas com icterícia, aparentemente devido à hepatite A”. Outras doenças poderiam se proliferar com a deterioração contínua da situação, acrescentou.

— O saneamento é um dos fatores-chave na crise nutricional, na crise sanitária, e eu diria também na insegurança alimentar — afirmou Jamie McGoldrick, coordenador humanitário da ONU para os territórios palestinos, em coletiva de imprensa. — Não há coleta de lixo. Perto dos acampamentos, junto às estradas, há montanhas de papéis, plásticos, latas, restos de comida etc.

A guerra em Gaza começou com o ataque sem precedentes do Hamas, em 7 de outubro, ao sul de Israel, que deixou mais de 1,2 mil mortos, a maioria civis, segundo um balanço da AFP com base em números oficiais israelenses. Por sua vez, a retaliação israelense, que visa destruir o Hamas, matou mais de 37 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças, segundo o Ministério da Saúde no território controlado pelo Hamas.

 

Fonte: Agência O Globo
Foto: Eyad Baba/AFP