Depois de se recusar a atender ao convite dos suíços para ir a uma cúpula sobre a Ucrânia que não terá a presença da Rússia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu na reunião do G7 que haja uma conferência de paz para poder dar uma solução ao conflito que já dura mais de dois anos.
Falando nesta sexta-feira na Itália, Lula insistiu que a base do evento deve ser um projeto selado entre Brasil e China. A iniciativa prevê um plano de paz que seria negociado numa reunião envolvendo as delegações tanto do Kremlin como de Kiev. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi ao G7, mas participou dos encontros um dia antes da chegada do brasileiro e dos demais convidados. Quando Lula discursou, o representante de Kiev não estava na sala.
“O Brasil condenou de maneira firme a invasão da Ucrânia pela Rússia”, disse Lula, durante a reunião. “Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar”, afirmou.
“Somente uma conferência internacional que seja reconhecida pelas partes, nos moldes da proposta de Brasil e China, viabilizará a paz.” (presidente Lula, durante encontro do G7 na Itália)
Nos próximos dias, a Suíça receberá uma reunião com mais de 90 países para debater uma saída para a crise ucraniana. Mas não houve um convite aos russos, o que fez Lula desistir de ir ao evento. A suspeita por parte do governo brasileiro é de que a reunião sirva apenas para chancelar a posição de Volodymyr Zelenksy.
Na quinta-feira, o governo suíço voltou a pedir que o brasileiro estivesse na cúpula. Uma vez mais, Lula se recusou, insistindo que não faria sentido um processo sem os russos.
Rússia sinaliza que quer negociar
A fala de Lula ocorre horas depois de o presidente russo Vladimir Putin indicar, pela primeira vez, que estaria disposto a negociar e suspender as hostilidades. Isso, segundo ele, desde que alguns de suas exigências fossem atendidas. Elas são:
• A renúncia de qualquer pretensão por parte da Ucrânia a aderir à Otan;
• A retirada das tropas ucranianas das regiões invadidas pelos russos.
Para diplomatas ocidentais, as exigências são “desenhadas para não serem aceitas”. Na UE, a ideia de que os ucranianos abram mão de um território que foi invadido poderia ser equivalente ao reconhecimento de derrota. Para negociadores de países emergentes, porém, esse pode ser pelo menos uma base para que haja uma negociação.
A proposta de Lula ocorre um dia depois de o G7 anunciar um acordo sobre como usar os recursos e ativos russos congelados no Ocidente e destinar aos ucranianos, no valor de 50 bilhões de euros. Para o Kremlin, trata-se de um “roubo”.
Lula falou com Putin antes do G7
O discurso de Lula foi precedido por uma conversa entre ele e Putin, no início da semana. Na ligação telefônica, o brasileiro sugeriu que a Rússia faça parte das negociações para que um acordo político possa ser encontrado no caso da guerra na Ucrânia.
A base do processo seria o documento assinado pelos assessores presidenciais Celso Amorim e seu homólogo chinês Wang Yi, no mês passado. O texto sugere uma desescalada do conflito e uma negociação que envolva tanto Kiev como Moscou. Os dois governos ainda defendem a troca de prisioneiros e condenam qualquer uso de armas nucleares.
Brasília considera que Pequim é o único que pode influenciar o Kremlin. A aproximação ocorre ainda num momento crítico da guerra. Os russos avançam e há, no Ocidente, uma fadiga na ajuda para a Ucrânia.
O que prevê o plano de Brasil e China:
DESESCALADA DO CONFLITO – Os dois lados pedem a todas as partes relevantes que observem três princípios para a redução da situação, ou seja, nenhuma expansão do campo de batalha, nenhuma escalada dos combates e nenhuma provocação de qualquer parte.
CONFERÊNCIA DE PAZ COM RUSSOS E UCRANIANOS – Os dois lados acreditam que o diálogo e a negociação são a única solução viável para a crise na Ucrânia. Todas as partes devem criar condições para a retomada do diálogo direto e pressionar pela redução da escalada da situação até a realização de um cessar-fogo abrangente. A China e o Brasil apoiam uma conferência internacional de paz realizada em um momento adequado e reconhecido pela Rússia e pela Ucrânia, com a participação igualitária de todas as partes, bem como uma discussão justa de todos os planos de paz.
TROCA DE PRISIONEIROS – São necessários esforços para aumentar a assistência humanitária às regiões relevantes e evitar uma crise humanitária em maior escala. Os ataques a civis ou a instalações civis devem ser evitados, e os civis, incluindo mulheres e crianças, e os prisioneiros de guerra (POWs) devem ser protegidos. Os dois lados apoiam a troca de prisioneiros de guerra entre as partes do conflito.
REJEIÇÃO AO USO DE ARMAS NUCLEARES – O uso de armas de destruição em massa, especialmente armas nucleares e armas químicas e biológicas, deve ser combatido. Todos os esforços possíveis devem ser feitos para impedir a proliferação nuclear e evitar crises nucleares.
Os ataques a usinas nucleares e outras instalações nucleares pacíficas devem ser combatidos. Todas as partes devem cumprir as leis internacionais, inclusive a Convenção sobre Segurança Nuclear, e evitar resolutamente acidentes nucleares provocados pelo homem.
EVITAR DIVISÃO DO MUNDO EM BLOCOS – A divisão do mundo em grupos políticos ou econômicos isolados deve ser combatida. Os dois lados pedem esforços para aumentar a cooperação internacional em energia, moeda, finanças, comércio, segurança alimentar e segurança de infraestrutura crítica, incluindo oleodutos e gasodutos, cabos ópticos submarinos, instalações de eletricidade e energia e redes de fibra óptica, para proteger a estabilidade das cadeias industriais e de suprimentos globais.
O posicionamento brasileiro irritou os ucranianos, que passaram a acusar frontalmente o governo Lula de estar se “aliando” aos russos.
Por Jamil Chade/UOL
Foto: Ricardo Stuckert/PR
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