Nas últimas semanas, o Congresso tem sido palco de uma disputa entre “montadoras tradicionais” e as chinesas. Muito se fala sobre a taxação de compras de até US$ 50 que foi incluída no Mover, lei que vai balizar a transição de carros a combustão para veículos eletrificados. Mas o texto original envolve um embate sobre incentivos bilionários.

As discussões do Mover remontam ao começo do governo Lula. Os primeiros rounds da disputa se deram nos ministérios da Economia (Fernando Haddad), do Desenvolvimento e Indústria (Geraldo Alckmin) e da Casa Civil (Rui Costa).

As montadoras tradicionais consideram que o projeto enviado pelo governo ao Congresso era “equilibrado”. Ocorre que a votação fica a cargo do Poder Legislativo, e o Senado e a Câmara são locais férteis para lobby.

A votação do projeto pode alterar a previsão das empresas para os próximos anos. Ao todo, as montadoras já anunciaram, até o fim de abril, investimentos no Brasil que chegam a R$ 130 bilhões até 2030.

Um dos argumentos das montadoras tradicionais para convencer parlamentares é a possibilidade de suas matrizes cancelarem investimentos. Os executivos justificam que bilhões de reais foram garantidos às filiais brasileiras sob uma legislação determinada, e qualquer mudança poderia alterar o valor aplicado no país.

Robôs de precisão em processo de montagem de carros em fábrica da BYD em Changzhou, na China; instalações servirão de modelo para fábrica da empresa na Bahia
Robôs de precisão em processo de montagem de carros em fábrica da BYD em Changzhou, na China; instalações servirão de modelo para fábrica da empresa na Bahia – Fptp: Divulgação

 

O que quer cada grupo

De um lado, estão empresários chineses da BYD. A montadora aposta em carros 100% elétricos e quer vantagens para estes veículos.

O polo oposto reúne as ditas montadoras tradicionais. Trata-se das marcas já estabelecidas no país e que escolheram carros híbridos – motor a combustão mais bateria elétrica – para a transição energética.

Na Câmara, o projeto foi votado na terça-feira (28) e as reivindicações das montadoras tradicionais foram atendidas. Elas não queriam que o texto recebesse muitas alterações por meio de emendas e destaques e, desta forma, evitar que concorrentes chineses ganhassem vantagens.

Foram apresentadas 77 emendas e, na avaliação das montadoras tradicionais, algumas tinham as digitais da BYD. Elas defendiam benefícios fiscais para o Nordeste e facilitação das importações.

Lula e Alckmin desfilam em carro Volkswagen em cerimônia de anúncio de investimento
Lula e Alckmin desfilam em carro Volkswagen em cerimônia de anúncio de investimento – Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

 

Tradicionais dizem que chineses gerariam menos empregos

Uma das emendas sugeridas dava preferência para montadoras no Nordeste receberem créditos de pesquisa e desenvolvimento. O Mover prevê R$ 19,3 bilhões para esta finalidade e, como o polo da BYD está na Bahia, os chineses ficariam com considerável parte do bolo. Para tranquilidade de empresas como GM e Volkswagen, porém, a alteração não foi acatada.

Os executivos das montadoras tradicionais se abasteceram de argumentos para convencer os deputados e senadores. Nas visitas aos gabinetes, eles sacavam estudos comparando o crescimento econômico com carros flex híbridos versus 100% elétricos.

Os números apontam que a combinação entre biocombustíveis e carros híbridos resulta em 1,6 milhão a mais de empregos e R$ 2,8 trilhões a mais de PIB. O estudo foi feito pela LCA Consultores.

Os argumentos eram acompanhados de alfinetadas. A tentativa da BYD de facilitar a importação era interpretada como uma forma de trazer produtos acabados da China e diminuir o investimento no Brasil. Isto resultaria em menos empregos e transferência de tecnologia.

Na semana passada, o UOL publicou que a BYD está acelerando a importação de carros. O “navio gigante” Explorer Nº 1 aportou no porto de Suape (PE) com 5.459 veículos. Existe uma pressa em faturar os modelos antes de julho, quando a alíquota de importação passa de 10% para 18%.

Navio da BYD chega a porto brasileiro com milhares de carros eletrificados
Navio da BYD chega a porto brasileiro com milhares de carros eletrificados – Foto: Jorge Moraes/UOL

 

BYD reitera investimentos na Bahia

A BYD não se manifestou oficialmente. Mas uma fonte da empresa declarou ao UOL que o levante das montadoras tradicionais significa preocupação com a chegada da empresa chinesa.

Foi mencionada uma tentativa de reserva de mercado por parte das marcas já estabelecidas. Outro ponto abordado foi a ameaça que a BYD representa por causa de seu potencial de crescimento.

O compromisso em produzir no Brasil foi reiterado com o investimento na Bahia. Anunciado como aporte de R$ 3 bilhões num primeiro momento, o valor subiu para R$ 5,5 bilhões.

Estão previstas as construções de 26 estruturas entre galpões, parque fabril e pista de testes. A expectativa é de chegar à marca de 300 mil veículos produzidos por ano.

Sobre as importações, o discurso é que vão diminuir conforme a produção nacional aumente. Para comprovar o compromisso com o Brasil, uma fonte na BYD informou que semana passada foi aberta em Florianópolis a centésima concessionária do país.

A taxação de encomendas da China atrapalharam a tramitação de projeto sobre setor automotivo
A taxação de encomendas da China atrapalharam a tramitação de projeto sobre setor automotivo – Foto: Jade Gao/AFP 

 

Blusinhas no meio do caminho

Os executivos aterrissaram em Brasília quatro semanas atrás. Era a data inicial para votação do Mover, e cada montadora foi defender seus interesses nos bastidores do Congresso.

Mas a “taxação de blusinhas” atravessou o caminho. A proposta de cobrar imposto de importações até US$ 50 foi inserida no projeto que criaria a lei do setor automobilístico.

A situação frustrou e irritou os executivos. O debate sobre taxação, incluído como um ‘jabuti’ no projeto, acabou ganhando mais projeção do que o tema original. Questionados sobre este cenário, os executivos respondiam: “Isto é Brasil”.

O Mover será votado nesta semana no Senado.

 

Fonte: UOL Economia
Foto: Rodolfo Buhrer