O avanço do mar e a erosão costeira está destruindo casas e estradas e salgando os poços de água doce que abastecem os moradores de Icapuí, no litoral nordeste do Ceará.
Segundo a prefeitura, ao menos seis praias do município sofreram um avanço entre 100 e 400 metros do mar neste século. Por isso, muitos moradores já foram expulsos, e destinos turísticos estão sendo “engolidos” pelo oceano.
O avanço do mar levou o município a decretar emergência seis vezes desde 2009.
“A maré vem destruindo todas as nossas ações paliativas. Agora em janeiro, teve uma ressaca muito forte, de uma intensidade que a gente nunca tinha visto. Tive que mandar as pessoas que estavam hospedadas na minha casa saírem, com medo de ela cair. Não estou recebendo mais hóspedes; Carnaval e Semana Santa, tudo está cancelado.” (Isael Santos, presidente da Associação dos Moradores da Peroba e dono de casa de aluguel para turistas)
Praia de Peroba, uma das mais afetadas pela erosão em Icapuí (CE) – Foto: Prefeitura de Icapuí
90% dos poços têm excesso de sal
Segundo o Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Icapuí, órgão municipal responsável pelo abastecimento e monitoramento da qualidade da água, 90% dos poços em operação tem concentração de sais acima do recomendado pela lei.
Marcelo Varandas, diretor do Saae, explica que a água do mar penetra na zona de água doce do aquífero que abastece a cidade.
“Além disso, longos períodos de exploração de um reservatório subterrâneo e o uso de grandes vazões de abastecimento, associado a uma baixa taxa de recarga [devido ao baixo índice de chuvas] podem estar contribuindo significativamente para o aumento da concentração de cloretos e dos sólidos dissolvidos nas águas de abastecimento público.” (Marcelo Varandas)
O problema, diz, se agrava porque a população de Icapuí se concentra majoritariamente próxima à praia. “Em função disso, a maioria dos poços está relativamente perto do mar.”
Laudos revelam indícios de que a entrada de sal pode estar contribuindo para a redução gradativa na qualidade das águas de abastecimento, “sobretudo pelo elevado nível de cloretos”, diz Varandas.
Para reduzir os impactos, o órgão tenta desinfetar os poços usando cloro e buscar água direto da fonte para abastecer as casas.
Poço perfurado para tentar achar água mais limpa em Icapuí (CE) – Foto: Prefeitura de Icapuí
Maré destrói acesso à praia de Peroba
Segundo o Coordenador Municipal da Defesa Civil de Icapuí, Daniel Oliveira, o avanço do mar varia de 100 a 400 metros no município. São seis praias afetadas:
• Barreiras de Cima
• Barreiras da Sereia
• Redonda
• Barrinha
• Quitéria
• Peroba
“Tivemos muitos problemas de destruição de estradas, casas, prédios públicos e remoção de afetados para áreas seguras. O avanço ao longo dos anos foi bem acentuado.” (Daniel Oliveira, da Defesa Civil de Icapuí)
Nos lugares mais afetados, muros de contenção têm freado o processo erosivo, diz Oliveira.
O órgão aponta que aproximadamente 20 imóveis estão sob risco.
Destruição gerada pelo avanço do mar em Icapuí (CE) – Foto: arquivo pessoal
Mas a prefeitura não conseguiu implementar nenhuma iniciativa capaz de segurar a força do mar em Peroba, destino popular entre turistas e uma das praias mais atingidas, relata Oliveira.
“A praia da Peroba teve um prejuízo enorme com relação ao turismo, porque a principal via de acesso foi destruída. Não existe mais acesso, nem onde colocar transporte. Só vai se for a pé, descendo por uma escada.” (Daniel Oliveira)
“Se uma pessoa passar mal, tiver algum problema de saúde, por exemplo, será difícil chegar até lá e recolhê-la, levar a um hospital.” (Daniel Oliveira)
O prejuízo à comunidade local também inclui os serviços básicos, como de limpeza, que não estão sendo realizados, segundo a Defesa Civil.
A prefeitura agora planeja a construção de um espigão, um conjunto de pedras em linha reta mar adentro para barrar sedimentos trazidos por ondas e correntes marítimas.
O custo da obra está estimado em R$ 11 milhões, mas ainda não há data para começar.
Espigão na praia dos Crush, em Fortaleza – Foto: Thiago Gaspar/Prefeitura de Fortaleza
‘A maré está levando tudo’
Um morador de Peroba (que pediu para não ter seu nome revelado) contou que, ao longo dos últimos anos, muitas famílias — como a dele — tiveram de deixar a praia por causa do avanço do mar.
“Meus avós paternos, que já faleceram, deixaram um terreno para os quatro filhos, para que cada um fizesse sua casa. Com o avanço da maré, três venderam as casas e foram morar em cima da serra. Hoje, a casa do meu tio que resistiu está com a maré já encostando nas pilastras.”
Ele explica que boa parte das casas que hoje ocupam a beira-mar é de veraneio. Eram os turistas que ajudavam a economia, comprando produtos de moradores, o que não acontece mais.
“Nosso turismo perdeu demais. Quem é que vem visitar uma praia se não tem nada nela? A maré está levando tudo. As barreiras, as dunas e os morros estão caindo. Quem tinha barraca lá e vendia algo para sobreviver está saindo e pedindo socorro. Isso é uma tristeza grande pra gente, e a comunidade quer uma solução.” (morador da praia de Peroba)
Casa protegida por lona e sacos de areia na praia de Peroba, em Icapuí – Foto: Prefeitura de Icapuí
Erosão acontece quando não há prevenção, diz especialista
O professor e pesquisador Paulo Oliveira, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da UFC (Universidade Federal do Ceará), afirma que a erosão está piorando em muitos lugares.
“Em geral, o problema de erosão ocorre quando nada é feito preventivamente, Depois que ela se agrava, começa a destruir construções urbanas. Isso pressiona autoridades a fazerem obras –que são importantes, mas é preciso também monitorar o movimento da costa.” (Paulo Oliveira, professor da UFC)
Em Icapuí, ele diz que fatores como a força das ondas nas ressacas e a topografia do terreno podem ter agravado o problema. “Pode haver áreas mais rebaixadas, que tendem a ter mais casos de erosão”, afirma.
Ele lembra que o avanço do mar, resultado das mudanças climáticas, também acontece em outros locais do mundo, e os gestores de cidades litorâneas precisam estar atentos.
“Já sofremos com os impactos das mudanças climáticas. No Brasil, não temos medido ainda, mas o IPCC [órgão da ONU] mostra que o nível do mar está subindo. Isso já é conhecido pela ciência, e os impactos também.”
Município de Icapuí sofre há pelo menos 20 anos com erosão e avanço do mar – Foto: Prefeitura de Icapuí
Por Carlos Madeiro/UOL
Foto: Reprodução/arquivo pessoal
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