O Brasil registrou um número recorde de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2021, segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado na última quinta-feira (18). Foram 35.196 casos com vítimas entre 0 e 19 anos, maior número da série histórica iniciada em 2015.
Apenas 58% desses casos de violência sexual chegaram a um Conselho Tutelar para apuração. O órgão deve ser acionado quando há crianças ou adolescentes vítimas, para encaminhar ações de proteção e propor medidas judiciais.
Meninas foram vítimas em 92,7% dos casos entre 10 e 19 anos. No período de 2015 a 2021, o levantamento aponta 119.337 casos de violência sexual nessa faixa etária, sendo 110 mil somente com vítimas do sexo feminino.
No mesmo período, de 2015 a 2021, foram 83.571 casos entre crianças de 0 a 9 anos, segundo o boletim.
Pouco mais da metade dos casos entre as vítimas de 10 a 19 anos chegaram ao Conselho Tutelar: apenas 62 mil (ou 52% do total).
A porcentagem é maior quando se trata de violência em crianças de até 9 ano: 56 mil chegaram a um conselho, ou 67% do total.
Os dados foram retirados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
“Cabe destacar a importância da notificação na oferta e no estabelecimento de fluxo de cuidado, podendo sinalizar aos profissionais o rastreamento e as medidas profiláticas de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e hepatites virais.” (Boletim do Ministério da Saúde)
Baixo índice de notificações ao conselho
Desde 2014 os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes passaram a ser obrigatoriamente notificados e comunicados às secretarias municipais de Saúde em até 24 horas após o atendimento à vítima.
Outra ação obrigatória é a comunicação ao Conselho Tutelar, conforme determina o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
O documento do ministério faz um destaque sobre o baixo índice de notificações aos conselhos, o que é uma preocupação das autoridades.
Cabe ao Conselho Tutelar realizar os encaminhamentos, requisitar serviços nas áreas de segurança, saúde, educação ou judicial, a depender do caso de violação do direito da criança ou do adolescente.
“O baixo preenchimento do campo [na ficha de notificação compulsória de violência] pode sinalizar a desarticulação da rede e a falta de capacitação dos profissionais.” (Boletim do Ministério da Saúde)
“Isso é um problema grave do país, pela falta de investimento na capacitação de pessoal que atua em contato direto [com as vítimas]. E também pela dificuldade que isso gera na chegada de recursos para serem investidos na política de prevenção a violações a crianças e adolescentes.” (Narcyjane Limeira Torres, da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB-AL)
Conselho Tutelar Cajuru, em Curitiba – Foto: Luiz Costa/Prefeitura de Curitiba
Subnotificação no caso de meninos
No Brasil, considera-se estupro de vulnerável a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com pessoas menores de 14 anos, mesmo que exista um “consentimento” dela.
Um ponto para o qual o boletim chama a atenção é que há uma prevalência de notificações envolvendo meninas. Contudo, isso traz uma ideia de subnotificação dos casos envolvendo crianças e adolescentes do sexo masculino.
“Acredita-se, contudo, que há um sub-registro dos casos de violência sexual entre os meninos, associados a fatores que limitam a identificação de violência, como estereótipo de gênero ou a crença de que os meninos não vivenciam a violência.” (Boletim do Ministério da Saúde)
Casos contra crianças de até 9 anos
Crimes mais frequentes:
– Estupro – 56,8%
– Assédio sexual – 29,2%
– Pornografia infantil – 3%
– Exploração sexual – 2,3%
– Outras – 8,7%
Local dos casos:
– Residência – 70,9%
– Escola – 2,3%
– Via pública – 0,9%
Vínculo com agressor:
– Familiares – 41,1%
– Amigos/conhecidos – 26,9%
– Desconhecidos – 6,6%
– Outros – 25,4%
Casos contra crianças e adolescentes de 10 a 19 anos
Crimes mais frequentes:
– Estupro – 59,68%
– Assédio sexual – 27,4%
– Pornografia infantil – 3,8%
– Exploração sexual – 4,2%
– Outras – 5%
Local dos casos:
– Residência – 63,4%
– Via pública – 10,5%
– Escola – 1,4%
Vínculo com agressor:
– Amigos/conhecidos – 38,4%
– Familiares – 20,3%
– Desconhecidos – 17,3%
– Parceiros íntimos – 2,2%
– Outros – 21,7%
Recomendações do boletim da Saúde
- Ampliar e qualificar os serviços de atendimento de crianças e adolescentes de ambos os sexos em situação de violência sexual.
- Realização de ações pelo Programa de Saúde na Escola na temática de prevenção das violências e promoção da cultura de paz e de direitos humanos.
- Implementação da Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências.
- Capacitar profissionais na atenção integral à saúde de crianças e adolescentes.
- Garantir o acesso aos serviços de interrupção da gestação, previstos em lei, de meninas e mulheres vítimas de violência sexual.
- Fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
Por Carlos Madeiro/UOL
Foto: Observatório do Terceiro Setor
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